POVO MURA

(clique acima para saber mais)

CARTOGRAFIAS

Demarcando o território Mura

Por: Márcia Mura

márcianeho@gmail.com

 

Porto Velho, a capital de Rondônia é uma cidade, que como todas as outras traz as marcas da colonização e o apagamento dos Povos Indígenas, que ocupavam esse espaço antes da chegada dos ditos desbravadores. Os monumentos históricos considerados oficialmente na cidade, representam figuras políticas como “marechais” e construções, como a Ferrovia Madeira Mamoré, que passou por cima dos territórios indígenas Karipuna e Karitiana; e mesmo que, na época da construção desta ferrovia os Mura não tenham sido mencionados, permaneciam em seus território ancestral, seja como seringueiros nos espaços dos seringais ao longo do Rio Madeira, escondidos nos igapós e matas ou mesmo nas cidades, inseridos por uma política de Estado na sociedade não indígena.

 

Faz se necessário desconstruir tanto a cartografia oficial de Porto Velho, que apaga totalmente os Mura, como a historiografia que, quando nos menciona, coloca-nos no passado como se estivéssemos deixado de existir no século XIX. Até mesmo os registros que consideram a existência do Povo Mura, menciona os que estão no Estado do Amazonas. De fato no Estado do Amazonas, principalmente no território que vai de Careiro da Várzea até a ponta de Autazes, os Mura são numerosos e fortes politicamente.

 

A presença Mura desde o século XVII se manteve até os dias de hoje em toda a Amazônia. Há Mura em Manacapuru, no Itaparanã, no Baiêta, no Kapanã, no Uruapeara, no Jauari, em Humaitá, de forma declarada, reconhecida e fazendo a retomada de seus territórios. Até Humaitá, limite do Estado do Amazonas a maioria dos espaços de seringais voltaram a ser configurados como território Mura. Mas, passando para o Estado de Rondônia a identificação Mura é diluída na denominação ribeirinha.

 

Porém, são esses Mura somados como outras famílias advindas de outras etnias que passaram a se identificar como ribeirinhos que continuam fazendo a resistência aos projetos ditos desenvolvimentistas no Rio Madeira, por se manterem firmes em suas localidades apesar de tantas violações e negações de direitos, sendo talvez a inundação de 2014 em decorrência das hidrelétricas a mais grave e suas consequências que perduram até os dias atuais, com a perda do espaço produtivo, moradias, águas poluídas entre outros.

 

Em Porto Velho, o Coletivo Mura se constituiu para reivindicar que a cidade seja reconhecida pelo poder público como território ancestral Mura e para despertar a identificação Mura silenciada por uma política de Estado, que perseguiu, que matou milhares dos nossos e que vinculou ao imaginário social a imagem dos Mura como os mais selvagens.

 

Nos autos oficiais da coroa Portuguesa, há um documento dizendo, que enquanto houvesse Mura nenhuma agricultura iria para frente. Essa tática utilizada pelos ancestrais Mura ao promover esses ataques, era para impedir a fixação de vilas ao logo do Rio Madeira sob o domínio Português. Já naquela época se deram os enfrentamentos a projetos desenvolvimentistas coloniais portugueses, que procuravam transpor a barreira Mura para adentrar na Amazônia via Rio Madeira, utilizando a estratégia de estabelecer vilas e ao mesmo tempo tinham interesse no cacau nativo (cacauî), que estava sob o domínio dos Mura. Foi travada uma guerra por cem anos; os europeus com suas armas de fogo e os ancestrais Mura com suas estratégias de destruir as plantações e domínio geográfico para expulsar os invasores. Apesar de todos os ataques genocidas, nós continuamos existindo e resistindo.

 

No livro Índios da Amazônia – De Maioria a Minoria (MOREIRA NETO, Carlos\1988), traz um registro sobre o desaparecimento dos Mura nos relatórios e nas preocupações oficiais:

“Em 1856, um mapa estatístico dos aldeamentos de índios, publicado em anexo ao relatório anual do Ministério do Império Indicava em toda a província do Amazonas, não mais de 1.300 Índios Mura, aldeados em 8 povoações subordinadas às diretorias parciais de Sapucaia Oroca (junto com os Munduruku), Autazes, Tijuca Muritinga e Anibá. Esse número indica um rápido decréscimo da população Mura que, ao mesmo tempo, tende a abandonar seus territórios tradicionais no Japurá no Negro, no Purus, no Juruá e no Solimões, para concentrar-se principalmente, no Madeira”.

 

A então povoação Sapucaia Oroca, mencionada na citação acima é atualmente Terra Indígena que se encontra em Borba às margens do Rio Madeira. Sobre o registro de que os Mura estavam se dispersando de seus territórios tradicionais e se concentrado no Rio Madeira, há outros registros como o do mapa etno-histórico de Curt Nimuendajú, que demonstra a ocupação tradicional Mura no Rio Madeira, iniciando na atual cidade de Porto Velho, que devido a pressão colonizadora, passa a se dispersar rio abaixo até o Rio Negro.

 

Uma das riquezas que aparecem nas narrativas construídas em colaboração, são os movimentos que vão fazendo na região Amazônica. Os rios, lagos e igarapés aparecem como marcos de localização de presenças indígenas. Das narrativas do espaço de seringais a dos espaços territoriais demarcadamente indígena, alguns lugares de referências aparecem em comum como espaços de perambulações tradicionais e os de deslocamentos para o trabalho em seringais.

 

Com tantos rios e lugares mencionados nas narrativas, fez-se necessário uma representação cartográfica, que possibilitasse tanto a visualização desses espaços de perambulações como os movimentos de desterritorializações indígenas. Por esse motivo escolhi o mapa Etno- Histórico de Curt Nimuendaju.

 

 O mapa Etno- Histórico de Curt Nimuendaju nos permite uma visão histórica de ocupação territorial indígena, como afirma George de Cerqueira Leite Zarur:

 

[...] Embora com anos de pesquisa de campo em grupos indígenas específicos, Curt Nimuendaju soube situar seu interesse e sua vivência de certas tribos em um contexto muito amplo. A primeira dimensão do tamanho deste contexto nos é fornecida pela visão histórica do seu mapa. Os grupos indígenas já referenciados pela bibliografia, desde a mais antiga estão representados no mapa. [...] (ZARUR, 2002, p.33)

 

É justamente esse registro histórico da presença indígena que me interessa particularmente o da região Amazônica, por ser o espaço territorial que diz respeito a minha pesquisa.

 

Conforme o mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE adaptado do mapa de Curt Nimuendaju de 1944, encontrado na biblioteca digital Curt Nimuendaju[1], há registros da presença dos Mura na parte da região amazônica que atualmente corresponde ao Estado de Rondônia e o Estado do Amazonas. Tomando como referência as atuais capitais de Porto Velho e Manaus, percebemos por meio do mapa que a presença dos Mura inicia nas proximidades da cidade de Porto Velho e vai até a cidade de Manaus. Mas, é na parte do Sul do Amazonas que há maior predominância dos Mura.

 

Como a versão permitida para download não viabiliza uma boa visualização, fotografei as partes que destaquei na descrição dos espaços territoriais onde há presença dos Mura e os espaços em que Mura e Munduruku estão na mesma área territorial de perambulação.

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Presença predominante nas proximidades de Manaus, na região do Rio Negro e outros rios menores. Atualmente, em Manacapuru há uma concentração habitacional de Mura.Presença predominante nas proximidades de Manaus, na região do Rio Negro e outros rios menores. Atualmente, em Manacapuru há uma concentração habitacional de Mura.

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Área de perambulação Mura e Munduruku, confluência dos rios Amazonas e Madeira.

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Na região do Capanã Grande, rio Madeira, atualmente há algumas aldeias formadas por famílias Mura e Munduruku. Em outubro de 2013 encontrei-me com os caciques dessas aldeias na assembléia indígena realizada em Humaitá. O Acará também situado neste mapa foi mencionado nesse encontro com os caciques Mura, como lugar que foi habitado por famílias Mura. Na narrativa de Izolina o Acará aparece como um dos espaços de seringais que ela vivenciou o trabalho junto com seu pai, sobrinhos e filhos.

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Área de perambulação simultânea dos Mura e Munduruku. Madeirinha é mencionado na narrativa de Ester como um dos espaços vivenciados por ela. Abacaxis é apresentado no livro Mhuraida ou Triunfo da Fé de Wilkens (1993), como lugar onde havia habitação Mura:

 “Os Mura, ou Murá, nome dado por tribos vizinhas aos índios que a si mesmos se chamavam Buhuraen, habitavam segundo os primeiros registros a margem direita do rio Madeira em 1714. Eram conhecidos por sua hostilidade para com a missão jesuíta de Abacaxis, fundada acima da foz do Jamari por volta de 1723 e trasladada depois rio abaixo”. (WILKENS, 1993, p. 18)

 

No recorte do mapa acima visualizamos a presença Mura e Munduruku na região de entrocamento do Abacaxis com o Canumã, que deságuam no Madeira.

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Nas proximidades de Porto Velho no rio Madeira a datação da presença Mura é de 1725, mais a frente no entroncamento do rio Machado com o Madeira indo até o rio Kapanã a datação é 1714. Seguindo as referências registradas no mapa visualizamos os Mura adentrando em outros rios grandes como o Purus e o Negro e marcações nas proximidades de Madeirinha, Acará, Manicoré, entre outros. Manicoré ainda se mantém como referência territorial Mura.

 

É importante ressaltar que nas proximidades do rio Abacaxis é possível perceber a presença simultânea dos Mura e dos Munduruku e que em outras áreas que os Mura aparecem, há o registro de outros povos indígenas. Mas, estou enfatizando as proximidades de presença territorial dos Mura e dos Mundurku para destacar a disputa de território entre os dois povos e posteriormente a possível formação de famílias que passaram a habitar os espaços de seringais.

 

O território predominante dos Munduruku é no rio Tapajós. Mas, há registros no mapa apresentado de presença Mura e Munduruku em outros rios, principalmente no rio Madeira. Os rios mencionados como território de perambulação Mura e Munduruku e as localidades denominadas com nomes de rios, igarapés ou lago, como no caso de Madeirinha e Acará, são mencionados nas narrativas das colaboradoras e colaboradores, apresentadas nesse relatório. 

 

Nesses espaços alguns territórios indígenas tornaram-se cidades ou comunidades surgidas a partir dos seringais. Atualmente, a presença dos Mura em territórios demarcadamente indígena, está no Purus, Manicoré e Manacapuru. Há também resurgimentos de comunidades Mura formada por famílias Mura e Munduruku, no Capanã Grande e no Itaparanã, com quem estou estabelecendo relações de afinidades. Na cidade de Porto Velho algumas pessoas mencionam suas descendências Mura advindas de comunidades constituídas no rio Madeira. Notei essas identificações também em Humaitá-AM.

 

 

Olhando da ótica de uma Mura historiadora que percorre por diferentes territórios Mura, Porto Velho, Jauari, Uruapeara, Careiro da Várzea, Autazes e Itaparanã, vejo que os Mura estavam em movimento e percorreram todos esses rios mencionados nos registros históricos e fazendo a resistência aos colonizadores.

 

Quando estive em 2017 na Terra Indígena Mura Sissaíma onde houve o primeiro encontro Mura de toda a Amazônia, os parentes Murra da referida Terra indígena explicaram que deram o nome de Sissaíma, na época recentemente demarcada, para homenagear os mais antigos que enfrentaram os colonizadores e tiveram seus olhos arrancados. “Conforme nos foi contato, todos os homens da Terra Indígena tiveram seus olhos arrancados, menos os das mulheres e crianças e por esse motivo deram o nome a aldeia de Cissaíma, que significa cegueira”.

 

Já no Rio Madeira os que por lá se encontravam destruíam as plantações das vilas instaladas para facilitar a colonização e enfrentavam os exploradores de cacau na região do Jamari. Estavam também no Kapanã e no Baiêta fazendo a resistência, pois em 2013 numa conversa entre nós Mura em Humaitá, após o Encontro de Povos Indígenas de Rondônia, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia, tive a felicidade de presenciar a uma roda de conversa sobre as histórias contadas pelos mais velhos, das embarcações que eles faziam naufragar quando passavam na região do Kanapanã e Baiêta.

 

No final do Encontro, tivemos uma roda de conversa só entre nós Mura no barco em que estavam os parentes Mura do Baiêta e Kapanã. Foi uma conversa muito importante onde cada um falou o percurso de suas famílias e compartilhamos a felicidade de percebermos os lugares comuns que nossas famílias percorreram. Foi nessa conversa que fui apresentada por Handeche Mura do Itaparanã para os demais Mura e foi feito meu ritual de aceitação no movimento de resistência Mura do Rio Madeira. Desde então passei a percorrer pelas aldeias Mura na Amazônia.

 

Em 2015 fui com o Lucas Mura, meu filho até o Bom Intento, que era um antigo seringal sob o território Mura e que foi retomado e hoje demarcado como Terra Indígena Jauarí. O processo de demarcação da Terra Indígena Jauarí se deu no contexto de movimento de retomada indígena em Manicoré, o qual sistematizei na minha tese de doutorado “Tecendo Tradições Indígenas” (2016), vejamos:

Os marcos do movimento indígena de 1990 apontados foram:

 

1992 – Início do trabalho da FUNAI Brasília com equipes de antropólogos, os quais iniciaram o processo de estudo de identificação para o reconhecimento e levantamento antropológicos das áreas e dos Povos que habitavam as terras. Esse acontecimento é atribuído a articulação das comunidades que buscavam seu fortalecimento social por meio da participação nos encontros, reuniões, seminários e outros movimentos indígenas na transamazônica. 

1996 – Houve novamente a visita da equipe da FUNAI Brasília em Manicoré para a conclusão dos estudos de identificação, onde a equipe técnica da FUNAI, tendo a menção de uma pessoa chamada Eliane, que possivelmente coordenava as atividades de estudos. De acordo com os registros a referida equipe visitou e se reuniu com os representantes do poder público do Município, prefeito, promotor, juiz e outros. Como resultado, houve a portaria de regulamentação de 05 áreas indígenas Mura de Manicoré, Terra Indígena Pinatuba, Terra Indígena Ariramba, Terra Indígena Garrota, Terra Indígena Lago do Jauari, Terra Indígena Capanã, publicadas no Diário Oficial da União. Neste item também é observado que as comunidades já se organizavam buscando um melhor atendimento na área de saúde, educação, organização e outros.

1999 – Cria-se os Distritos de Saúde Especiais Indígenas- DSEIS para trabalhar a saúde indígena específica (FUNASA). Essa data é colocada como um marco da primeira reunião dos povos indígenas na cidade de Manicoré (Centro catequético - N. S. D) para a discussão sobre saúde indígena específica para os povos indígenas de Manicoré. Conforme é observado nos registros, as comunidades continuam discutindo essas questões.

2000 - Conforme os registros feitos foi um ano de conquistas de uma política específica no campo educacional e de saúde, assim também, como foi o ano de fortalecimento do movimento por meio da criação da Organização dos Povos Indígenas da Região de Manicoré – OPITTAMPP. Dentre as políticas específicas de garantia de direitos indígenas foram mencionadas a realização da primeira etapa do curso de formação de professores indígenas em Autazes, onde 08 indígenas de Manicoré participaram, tal curso fez parte da efetivação da legislação estadual de educação escolar indígena. Outra conquista mencionada foi a implantação do sub-distrito de saúde indígena de Manicoré por meio do convênio COIAB/FUNASA com uma equipe multidisciplinar para atender os indígenas.

2001 – Foram apresentados resultados importantes da articulação indígena, os quais foram: Demarcação e homologação das 05 áreas indígenas Mura de Manicoré; Implantação da FUNAI em Manicoré – PIN/ Manicoré – CTL; Reconhecimento da educação diferenciada pelo prefeito NENA, que criou a coordenação de educação escolar indígena de Manicoré, por meio do decreto de lei Nº 057/2001 05 de março de 2001.

 

No contexto desses marcos da política Indígena em Manicoré/AM nos anos (90 e início dos anos 2000 vai contribuir com a retomada de afirmação Mura no trecho do Rio Madeira entre Manicoré e Humaitá. Mas, não ultrapassa a fronteira para o Estado de Rondônia e com isso, Porto Velho que é território de memória ancestral Mura permanecerá com o silenciamento Mura, mesmo que já houvessem manifestações de afirmação Mura e um início de afirmação indígena de forma mais política em 2015.

 

Antes já havia o Nei Mura, que adotava essa referência Mura no contexto cultural do seu trabalho artístico musical no grupo Manoa. Eu, Márcia Mura, que já estava nesse processo de auto afirmação, mas somente em 2013 passo a me afirmar enquanto Mura de forma mais política o que faz outras pessoas aos poucos irem manifestando suas origens Mura em Porto Velho.

 

Nesse movimento de afirmação indígena que se iniciou enquanto grupo a partir de 2015, fizemos várias vivências de trocas de experiências sobre a importância da afirmação indígena em Porto Velho, fizemos encontros, leituras e compartilhamos momentos da nossa cultura alimentar amazônica, aos poucos as pessoas desse grupo vão cada uma construindo seus caminhos. Uns buscaram construir espaços de vivências de valorização de conhecimentos ancestrais e vivenciar de forma mais intensa as aprendizagem fazendo parte do universo da vida ligada a natureza, outros no campo da arte, outros ainda no fortalecimento étnico e do seu Povo.

 

Somente em 2016, foi criado o coletivo Mura de Porto Velho que tem como principal luta o reconhecimento de Porto Velho como Território ancestral Mura. Atuamos junto ao movimento indígena local e nacional e especificamente ao movimento Mura na Amazônia. Enquanto Coletivo Mura de Porto Velho somos reconhecidos pelos Mura do Itaparanã/AM, pelo CIM – Conselho Mura de Autazes/AM e por lideranças de Careiro da Várzea a Ponta de Autazes, do Município de Borba e toda a Calha do Madeira.

 

Desde 2017 quando fui convidada para o primeiro encontro dos Mura da Amazônia, que foi realizado na aldeia Sissaíma, em Careiro da Várzea no mês de Janeiro, passei a ser reconhecida pelos Mura todos que estavam nesse encontro, onde também apresentei a existência do Coletivo Mura. Estamos dessa maneira interligados politica e espiritualmente apesar da divisão geográfica criada pelo Estado brasileiro entre Rondônia e Amazonas. Mesmo em tempos de pandemia, diferentes frentes de resistência Mura estão lutando com seus corpos e espiritos para se manterem existindo.

 

Nós do coletivo Mura em comum acordo com lideranças Mura na Amazônia estamos fazendo uma campanha de apoio aos Mura dos diferentes contextos: aldeias, cidades e contextos ribeirinhos no Amazonas e Rondônia. Com apoio de aliados, fizemos uma breve cartografia de onde estão os Mura:

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Lugares Mura por onde já passei na poesia da memória cantada

 

O rio Madeira é o rio ancestral Mura onde nasci. Mas, depois de adulta fui seguindo os caminhos das águas ancestrais Mura e cheguei até o Itaparanã, Autazes e vários lagos que também são territórios ancestrais do Povo Mura. Vou compartilhar alguns desses lugares por onde percorri, por meio da memória cantada e de algumas imagens:

 

Foi navegando pelo Madeira que encontrei Mura em mim...

Que encontrei Mura em mim... Que encontrei Mura em mim...

Suas memórias revivi...

Suas histórias escrevi...

Encontrei Mura em mim...

Encontrei força em mim...

No Itaparanã eu encontrei cacique Mura... Encontrei cacique Mura... Encontrei cacique Mura...

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Seu Nelson Mura em 2017 no Itaparanã me presenteando com cacauí coletado por ele.

Conheci seu Nelson Mura em 2012 quando iniciei quando encontrei sua família em Humaitá, desde o primeiro dia que o vi tive grande admiração por sua sabedoria. Aos poucos fomos estreitando nossas relações e ele me adotou como filha e eu passei a considera-lo como meu pai cultural. Nessa vivência com ele aprendi uma canção que ele gostava de cantar que é um fragmento de memória de uma canção cantada pelo pai dele, conforme falou-me. Vou apresentar aqui a canção:

 

Kainanã Kainari... Kainanã kainari... Kainanã kainari...

Karakapitu... Tum... Tum...

Joaquim é Cuita ...

Tucumã é usá.

Jauari... Tucumã... Piquiá....

 

Um dia cantei essa canção para minha tia Maria, sobrinha da minha avó, assim que terminei de cantar ela começou um outro canto:

No galho do pau...

Juruá... Eguá!

No galho do pau juruá... Eguá...

Ikanicarô rô... Yapôpô.

Ikanicarô rô... Yapôpô...

Kawahib ai não há....

Esse canto também é um fragmento de um canto que o avô dela, meu bisavô, cantava a noite de cócoras no quintal e ela guardou esse fragmento. Não sabemos o significado das palavras, mas sentimos a força espiritual que ela traz.

 

 Seguindo a memória cantada:

Depois segui o caminho das águas e cheguei em Nazaré...

Em Nazaré eu encontrei...

Encontrei parente Mura...

Encontrei parente Mura...

Encontrei parente Mura...

Veio lá do Uruapeara e também do Jaurí e também do Jauarí...

 

Nazaré é espaço de antigo seringal a presença Mura lá ao longo da colonização foi silenciada.

Mas lá vivem famílias de diferentes Povos Indígenas, dentre eles, Mura, Torá, Apurinã, Parintintim, entre outros... Minha família viveu lá também, tenho muitos parentes em Nazaré que vieram do Lago do Uruapeara, depois que fui morar para lá em 2016 conheci também uma família Mura que veio do Lago do Jauari.

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Lago do Uruapeara em Outubro de 2011. Foto: Márcia Mura.

 

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Em 2012 navegando no lago Uruapera, indo com a parentada e amigas de Porto Velho para o festejo de São Sebastião na localidade chamada Centenário. Foto: Cristiane Pereira de Souza.

 

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Foto: Márcia Mura 2013. Igarapé Furo em Nazaré.

 

Esse igarapé é chamado pelos mais velhos de Nazaré de Boca do Furo. Segundo um dos mais velhos, seu Zé Ferreira, havia uma cobra bem grande no lago do Peixe Boi que cresceu muito e precisou ir para o Rio madeira, nesse deslocamento ficou o caminho da cobra que os homens que trabalhavam para o seringalista seu Nanã cavaram. Segundo minha tia Maria, sobrinha minha avó as águas que formaram o igarapé vieram do centro, onde ficavam as estradas de seringa, bem dentro da floresta. Há também a versão que igarapé Boca do Furo foi cavado durante muitos anos pelos homens que trabalhavam para o Seringalista Eduardo Costa, conhecido como seu Nanã para poder fazer um canal de escoação da produção para o Rio Madeira de maneira mais fácil e que só foi concluído porque seu Nanã fez uma promessa de fazer uma igreja para Nossa Senhora de Nazaré, mas eu gosto mais da versão contada por seu Zé Ferreira que traz a percepção indígena da relação do home e natureza os dois trabalhando juntos para crias as coisas.

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Rio madeira no Bom Intento parte da Terra Indígena Mura Jauarí. Foto: Lucas Mura, (2015)

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Atividade de valorização indígena com jovens Mura no Bom Intento, 2016.

 

Quando estive no Bom Intento, tive a oportunidade de ouvir duas jovens Mura cantando uma música indígena de uma atividade cultural que foi realizada na outra aldeia mais para dentro do Lago do Jauarí e pedi autorização delas para registrar:

Aça Mura...

Pega Mura...

O chibé...

Chibé poranga...

Poranga Aritanga

Gostar do Muriara é o Chibé Poranga!

 

Depois que conheci a família do Luiz Felipe que é meu aluno que é Mura do Lago do Jauari, a mãe dele me falou que essa música é lá da aldeia dela e é uma homenagem para a mãe e o pai dela.

 

Seguindo com a memória cantada:

Depois cheguei em Sissaíma lá meu Povo resistiu... Lá meu Povo resistiu...

 

Sissaíma... significa cegueira, provocada colonizadores ao furar os olhos de todos os homens Mura e ficando só as mulheres e crianças enxergando. Esse nome é uma homenagem a seus antepassados.

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Primeiro encontro do Povo Mura de toda a Amazônia de forma totalmente autônoma com mais de duzentos participantes, na Terra Indígena Sissaíma/AM. Cacique e família Mura da aldeia Sissaíma. Foto: Márcia Mura (2018)

Intervenção Cultural na beira do Rio Madeira em Porto Velho para chamar a atenção sobre a Existência Mura em Porto Velho e de outras etnias que vivem na cidade. Abril de 2017. Obs.: Recebi as fotos de presente de um fotografo, mas não lembro o nome dele.

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Lucas Mura (Antarokay) e Márcia Mura (Tanãmak) intervenção cultural e política de afirmação Mura em Porto Velho, abril de 2017.

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Ocupação do Coletivo Mura e afirmação indígena de Porto Velho na escadaria do prédio da reitoria da universidade Federal de Rondônia. Para protestar contra ações etnocidas cometidas por professores da referida Universidade. Março de 2018. (Tanã Mura/ Atatíky, pintando a faixa) acervo Coletivo Mura de Porto Velho.

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Grupo de afirmação indígena em Porto Velho e Coletivo Mura no ato de repúdio a falas etnocídas na Universidade Federal de Rondônia (Março de 2018). Esse ato foi apoiado por parentes indígenas do movimento indígena nacional por meio de notas. Após nossas constantes cobranças de retratação a Pró-reitora de Extensão na época, fez a retratação ao Coletivo Mura e aos demais Parentes de outras etnias no Fórum de Estudante Indígenas ainda em 2018

 

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Tanã Mura (Atatauíke) vivência indígena na maloca querida em Porto Velho, Maio de 2019. Foto: Tulasi Barcellos.

 

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eu e minha mãe Nilse Mura tomando patauá, em Candeias do Jamari. Foto: Iremar Antônio Ferreira, (2016)

 

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Francisca Nunes Maciel na Maloca Querida em Porto Velho, em 2006. Ela faleceu em 14 de agosto de 2007. Obs.: Minha avó nunca disse que era Mura, ela dizia que era amazonense, mas foi com ela que aprendi a ser Mura. Com ela adquiri meu paladar por nossos alimentos tradicionais, aprendi a fazer nossos remédios, construí a percepção do mundo da floresta e das águas amazônicas. Foto: Márcia Mura.

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Cacique Nelson Mura conhecendo o Buhuaren na Maloca Querida. (Março de 2019) veio para fazer exames, estava bem debilitado, devido a um baque no rosto que sofreu fazia um ano quando vinha do seringal de rabeta a época da cheia, por entre as arvores que estavam submersas n as águas. (arquivo Maloca Querida)

 

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Tanã Mura (Atatauíke) prepara Emanuel Mura que irá se apresentar pela primeira vez ao público como liderança do coletivo Mura. Foi escolhido para representar o coletivo mura de Porto Velho, na mesa sobre resistência indígena na Amazônia. Realizado no IFRO como atividade do abril indígena de 2019. Foto: Márcia Mura.

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Atatauíke, Antorokai, Tanãmak em apresentação cultural num seminário sobre resistência indígena, no IFRO organizado pelo professor Marcos Teixeira. Abril de 2019;

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Eu e meu neto Buhuaren com três meses de vida na aldeia Mura do Itaparanã, Agosto de 2019. Obs.: Buhuaren é a nominação do Povo Mura antes da invasão dos colonizadores. Meu neto recebeu esse nome porque ele representa para nós o renascimento da nossa força ancestral Mura, pois é a partir dele que nossa história irá continuar. Foto: Tatina Rodriguez (Tapuya)

 

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Tapuya e Buhuaren no Itaparnã no ritual do Funeral do cacique Nelson Mura. Foto: Márcia Mura, (Junho de 2019)

 

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Antarokai pintando Atatauíke nos preparativos do funeral do cacique Nelson Mura. Foto: Márcia Mura (Junho de 2019)

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Na sede do conselho indígena Mura conhecendo o senhor Claudio Mura, importante liderança do Povo Mura em Autazes.  Foto: Claudinho Mura, seu filho, também uma importante liderança. (Janeiro de 2019).

 

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II Encontro do Povo Mura na aldeia Santo Antônio/Careiro da Várzea/AM, Foto: Márcia Mura. (Janeiro de 2019).

 

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Manifestação dos Povos Indígenas do Sul do Amazonas, Rondônia e Noroeste de Mato Grosso. Na frente eu e os parentes Mura do Kapanã e Baiêta. (2013)

 

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Lucas Mura (Antorokai), meu primo Timaia, liderança cultural de Nazaré e eu, após lançamento do CD Boi Curumim. (2015). Nessa oportunidade foi  apresentada a música do seu Nelson Mura “ Kaiananã Kainari” Com adaptações do grupo “Minhas Raízes” (grupo formado por meus primos e seus filhos lá de Nazaré). (Acervo Maloca Querida)

 

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Antorokai Mura numa atividade de afirmação indígena na escola estadual em Nazaré. Está fazendo grafismo no seu primo João Maciel, ao fundo eu estou fazendo grafismo na minha sobrinha Eduarda Mura. Foto: Deise (2016)

 

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Visita com minhas sobrinhas, Eliene Maciel Mura e Erica Maciel Mura à Tamikuã Txihi que vive na aldeia Itakupé no pico do Jaraguá. Na ocasião havíamos ido á São Paulo apresentar o projeto de modos de ser indígena que fazemos na Escola Francisco Desmorest Passos em Nazaré, na semana de educação na USP e aproveitar para fazer outras vivências de trocas de saberes indígenas. Foto: Lilian Anjos (2018)

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Minhas sobrinha Ludimilla e Letícia, eu e minha irmã Maíra vivenciando na Maloca querida suas afirmações Mura. (Janeiro de 2020)

 

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Retomada por minha mãe do lugar Traíra na cabeceira do Lago do Uruapeara, que foi da sua bisa avó materna Benedita, depois da sua avó Adelaide que passou para as filhas, dentre elas a Francisca sua mãe. Foto: Márcia Mura (Janeiro de 2019).

 

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Marlon, meu sobrinho, filho da minha prima Lurdinha, fazendo uma flecha para pescar. Nazaré, 2018. Foto: Márcia Mura.

 

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Família Mura do Kapanã no seminário indígena da calha do Madeira. Manicoré, Março de 2019. Foto: um parente indígena.

 

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No acampamento Terra Livre com parenta Mura de Itaquatiara e o Tuxaua Mura de Autazes. Foto: Pietra Dolamita, (Brasilia, 2019)

 

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Dia da minha defesa de doutorado ao meu lado dona Mura, minha mãe Nilse. Foi ele que me ajudou a restabelecer as redes de parentescos no Uruapeara e me apoiou na afirmação Mura. Foto: Iremar Antônio Ferreira (Maio de 2016)

 

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Com minhas duas sobrinhas filhas de primos: Maria Eduarda Mura e Yjjek Karitiana Mura. Participação na Assembleia da Associação das Mulheres Guerreiras de Rondônia – AGIR. Ao fundo a ex-cunhada da mãe da minha nora Tatiana. Ela foi casada com seu irmão na época do seringal. A conheci nesta assembleia realizada em sua Terra Indígena Tupari.

Participação no Espetáculo Pindorama:

 

O espetáculo pindorama foi gestado por Maíra Mura, minha irmã com o intuito de trazer presente a força da ancestralidade indígena e Afro na cultura Brasileira.

 

Nós da Maloca Querida contribuímos na trilha sonora, nos figurinos e na troca e partilha dos conhecimentos da memória e história indígena, além de participar em apresentações poéticas, músicas indígenas e na apresentação da dança do Seringador: uma dança que era dançada pelos mais velhos lá do Uruapera, que tem ritmos e sons indígenas e afro e que um dos sobrinhos da minha avó, o Manoel Maciel trouxe para Nazaré e deixou junto com o festival cultural com herança para Nazaré. 

 

Seguem alguns registros fotográficos do Coletivo Madeirista, quanto da participação da Maloca Querida de Porto Velho e Maloca Mura de Nazaré no espetáculo Pindorama, o qual foi realizado no Sesc, dias 22 e 23 de janeiro\2020, com apoio cultural do Banco da Amazônia, patrocinador de ações socioculturais do Studio de Dança NOA, de Candeias do Jamari, que atua com crianças e adolescentes\jovens em vulnerabilidade social.

O espetáculo foi profundamente ancestral e tocou muito as pessoas que compartilharam seus sentimentos após o espetáculo. Encerro aqui convidando vocês a fazerem também fazerem seus caminhos ancestrais e deixando nosso grito Mura de existência e resistência apesar de toda a colonização que se mantém até os dias atuais.