A MINERAÇÃO E O GARIMPO DE

CASSITERITA EM RONDÔNIA

Luiz Gilberto Dall'Igna

 

 

A DESCOBERTA DA CASSITERITA

 

Em 1952, o engenheiro Frederico Hoepken constatou a presença de cassiterita no seringal do Sr. Joaquim Pe­reira da Rocha, no local conhecido como Primavera.

 

A pedido da firma Rocha & Costa, o engenheiro Hoep­ken procedeu aos reconhecimentos geológicos gerais no rio Machadinho, ensaiando na batéia as areias desse rio e de seus afluentes, na esperança de encontrar ouro ou diamantes. As amostras foram enviadas para o Rio de Ja­neiro e analisadas pelo professor Elysiário Távora, que as examinou por via radiocristalográfica identificando a cassiterita. A área foi então requerida para pesquisa, pelo proprietário do seringal, em 1953.

 

A cassiterita alcançava altos preços na bolsa de minérios e, em pouco tempo, uma dezena de seringalistas e pro­prietários de terras em Rondônia iniciava o que foi con­siderado urna autêntica corrida ao estanho. Em 1955 (?), Moacyr Motta descobre cassiterita em Pedra Branca e Ca­ritianas e, entre 1957 e 1961, outras descobertas são fei­tas em Santa Bárbara, Jacundá. Massangana, Candeias e São Lourenço (Waghorn, 1974).

 

GARIMPAGEM

 

Com as descobertas de cassiterita, ocorreu um grande afluxo de garimpeiros oriundos principalmente do Nordeste para a região. Já em 1960, a produção de Rondônia cons­tava nas estatísticas brasileiras, iniciando uma produção sempre ascendente. Entretanto, a extração de cassiterita era feita de forma rudimentar e individual, controlada pe­los seringalistas. Mesmo assim, em 1962 Rondônia era res­ponsável por mais de 50% da cassiterita produzida no país.

 

Os garimpeiros aproveitavam somente os depósitos com altos teores — 4 a 5kg de Sn02/mi — enquanto as minas de Kuala-Lampur (Malásia) operavam com teores de até 0,350kg de SnO,/m3 (DNPM, 1976). O minério era trans­portado por pequenos aviões monomotores, que decola­vam e aterrissavam em campos de pouso improvisados, não havendo pagamento para qualquer tipo de imposto. A incidência de malária, sobretudo de novembro a maio, alcançava a surpreendente marca de 50% da população garimpeira.

 

Na verdade, esse trabalho não se processava de acordo com os métodos e critérios clássicos de garimpagem, ou seja, utilizando instrumentos rudimentares e por conta própria. características essenciais para a classificação do seu executor como "garimpeiro", e não possuía também a competente matrícula da Exatoria do Município, docu­mento de habilitação para a prática de garimpo, conforme a legislação vigente na época. Portanto, o que estava ocorrendo eram lavras clandestinas. acobertadas pela pseudogarimpagem, trazendo inconvenientes de ordem econômica e social. Os detentores dos direitos minerários subdividiam suas áreas em "garimpos", arregimentando garimpeiros que eram pagos mediante porcentagem da produção efetiva, e exigiam exclusividade na compra do minério (DNPM, 1976).

 

O ENCERRAMENTO DO GARIMPO

 

No final da década de 1960, quando o Brasil importava cada vez mais estanho para alimentar o seu emergente parque industrial, com grandes prejuízos para sua balan­ça comercial, o governo não conseguia conciliar o tipo de mineração existente (garimpagem) com os interesses eco­nômicos e sociais do país, em face da prevalência da ati­vidade garimpeira, que o impossibilitava de racionalizar o conhecimento geológico da região e programar uma sig­nificativa e técnica expansão de produção. Iniciou, em 1969, um programa para permitir avaliar o potencial mi­neral e a exploração racional da cassiterita, instalando em Porto Velho a Delegacia Especial do Departamento Nacio­nal da Produção Mineral — DNPM. Criou, então, a Provín­cia Estanífera de Rondônia e estabeleceu uma série de medidas legais e administrativas. Destaca-se a implantação da unidade da CPRM de Rondônia em 1970, com o obje­tivo de resolver as dificuldades operacionais para acom­panhamento da lavra de cassiterita e a fiscalização dos empreendimentos relacionados ao financiamento à pes­quisa mineral através da CPRM.

 

O governo, por outro lado, convidou e incentivou empre­sas e grupos empresariais a darem suporte à parte princi­pal de seu programa. Os riscos da atividade ficariam por conta da iniciativa privada, responsável ao mesmo tempo pelas pesquisas necessárias e pela substituição da produ­ção garimpeira pela lavra mecanizada. Vários grupos em­presariais aceitaram o desafio e, a partir de março de 1971, iniciaram pesquisas e operações industriais na Pro­víncia Estanífera de Rondônia. Entre os grupos empresa­riais destacamos Brascan, Bristish Petrolium, Cesbra, Pati­no, Englartdt, Billinton, CIF, Itaú, Best, Dramin, Paranapa­nema e outros.

 

O encerramento dos garimpos foi marcado para março de 1971 e os garimpeiros tiveram 11 meses de prazo para se deslocarem para outros locais do território nacional (Por­taria nº 195, de 15 de abril de 1970, assinada pelo então ministro das Minas e Energia Antônio Dias Leite Júnior).

 

Naturalmente que a desativação do garimpo causou sé­rios problemas de ordem econômico-social, tendo em vista que a portaria do Ministério de Minas e Energia co­lheu de surpresa os que se beneficiavam dessa atividade, causando grande abalo financeiro o fato de muitas casas de comércio irem à falência. Os jornais publicavam dia­riamente notificações e cobranças judiciais a pessoas físi­cas e jurídicas, sendo todos prejudicados de forma direta ou indireta, tais os efeitos da portaria acatada de pronto pelo governador e pelo Exército, que se encarregaram de comandar a retirada dos garimpeiros. Além de se senti­rem perseguidos, os garimpeiros eram de fato marginali­zados pelo comércio, agora lhes negando o outrora fácil crédito, e pelo governo, que não lhes oferecia qualquer assistência, até mesmo alguma orientação ou explicação (Silva, 1984).

 

Na época do encerramento do garimpo (31.03.1971), se­gundo a Delegacia Especial do Departamento Nacional da Produção Mineral — DNPM, do total admitido para tra­balhar nas empresas de mineração, 1.900 retornaram a sua terra de origem e aproximadamente 700 não procu­raram a Delegacia Especial do DNPM em Porto Velho. Os garimpeiros que procuraram o DNPM foram transporta­dos para outros locais do país, em aviões da FAB, colo­cados à disposição para esse fim.

 

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A PRODUÇÃO INDUSTRIAL

 

Em 1964, a Cia. de Mineração São Lourenço instalou a pri­meira frente mecanizada em Rondônia, no igarapé Saubi­nha em São Lourenço, operando até 1966. Também, em 1966, a Mineração Jacundá fez a experiência de mecani­zação das minas, que, ao contrário da primeira, foi bem-sucedida. Em Oriente Novo, o Grupo Billinton iniciou a primeira mina mecanizada com equipamentos modernos. Posteriormente, entraram em operação as minas de Igara­pé Preto — MT, em 1970, e Santa Bárbara, em 1971 (Wag­horn, 1974). Somente após o encerramento do garimpo é que a atividade industrial tomou impulso.

 

Se a paralisação do garimpo trouxe prejuízos aos comer­ciantes que dependiam exclusivamente dos garimpeiros para a venda de suas mercadorias e, principalmente, para aqueles que comercializavam a cassiterita, por outro lado essa paralisação possibilitou o contínuo conhecimento da Província Estanífera de Rondônia através da geração de empregos e a implantação de infra-estrutura. No início da década de 1980, cerca de 4.000 funcionários das empresas mineradoras moravam nas vilas operárias com suas famí­lias. Eram aproximadamente 20.000 pessoas que formavam comunidades servidas por todos os equipamentos e servi­ços de uma vida comunitária decente. Casas com água, luz e instalações sanitárias, integrados por uma vida social com clubes, escolas, esportes, abastecimento de gêneros e vestuário, profilaxia sanitária, especialmente combate à malária, ambulatórios médicos, assistência dentária etc.

 

A importância da exploração da cassiterita em Rondônia pode ser avaliada se considerarmos que mais de 60% do valor da transformação industrial do estado, em 1980, eram provenientes do gênero extração de minerais, que empregava mais de 25% do total de pessoal ocupado do estado. Essa produção era realizada em Rondônia em mol­des industriais modernos, em grandes estabelecimentos, cuja média de pessoal ocupado, em 1980, era de 199 pes­soas, e cujo valor médio de transformação industrial atin­gia a cifra de Cr$ 19.266,00 (moeda da época). Além dis­so, essa exploração permitia que o salário médio no gê­nero, em Rondônia, fosse cerca de 7% superior à média nacional (Castelo Branco, 1991).

Até 1974, o Brasil ainda precisava importar estanho para suprir o seu crescente mercado interno. Porém, em virtu­de do constante desenvolvimento da indústria nacional de mineração de estanho, o país foi abandonando gradativamente essa posição para, a partir de 1975, alcançar sua auto-suficiência e voltar-se para o mercado externo, con­seguindo, em 1988, ser o principal produtor mundial de estanho.

 

 

Com a entrada em operação, em 1983, da mina de Pitin­ga, no município de Presidente Figueiredo, Estado do Amazonas, Rondônia perde sua posição de maior produ­tor nacional de cassiterita.

 

A QUEDA DOS PREÇOS DO ESTANHO

 

Em 1985, a superprodução de estanho causou a dissolu­ção do International Tin Council que mantivera, até essa data, os preços do estanho artificialmente eleva­dos (na ordem de USS 12.000,00/0. Em outubro daquele ano, o ITC não pôde mais absorver os excessos de pro­dução em seus estoques reguladores. A depressão dos preços do estanho no mercado internacional foi imedia­ta, atingindo níveis de US$ 5.000/t (Tabela 1).

 

As empresas que vinham operando com uma larga faixa de lucro em suas minas foram obrigadas a reduzirem seus cus­tos e, principalmente, reformularem seus programas opera­cionais. Assim, antigas minas foram paralisadas e reduziram-se substancialmente os investimentos em pesquisas minerais.

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O DESCOBRIMENTO DE BOM FUTURO

 

Na metade do ano de 1987, toreiros que retiravam madei­ras nas proximidades do rio Santa Cruz, município de Ari­quemes, descobriram uma jazida de cassiterita (garimpo de Bom Futuro). A informação foi passada para a empre­sa MS Mineração Ltda„ que imediatamente requereu a área para pesquisa. Entretanto, antes mesmo que a empre­sa recebesse seu alvará de pesquisa, a área roi invadida por garimpeiros tão logo a notícia do descobrimento da jazida espalhou-se. A empresa titular dos requerimentos de pesquisa nada pôde fazer para manter seus direitos e iniciar seus trabalhos de pesquisa mineral.

 

O garimpo de Bom Futuro tornou-se atrativo para os ex-­funcionários das empresas de mineração demitidos recen­temente, para os agricultores da região e também para os empresários locais que viram no garimpo uma forma de ampliar seus lucros. Assim, misturaram-se interesses so­ciais. econômicos de grande porte, políticos e político-­eleitoreiros. A legislação passou a ser frontalmente desres­peitada com a atividade garimpeira e a conseqüente co­mercialização do minério.

 

Como forma de legalização da atividade garimpeira, ga­rantia dos direitos minerados da MS Mineração Ltda. e o controle ambiental, foi criada a Portaria n" 226, de 19 de setembro de 1988, do DNPM. A portaria determinava que toda a comercialização da cassiterita produzida no garim­po de Bom Futuro fosse feita pela MS Mineração Ltda., que, por sua vez, repassaria um percentual para cada gru­po empresarial legalmente estabelecido e operando) em Rondônia.

 

Os comerciantes de cassiterita que vinham atuando no ga­rimpo de Bom Futuro há mais de um ano não aceitaram a Portaria 226/88 e continuaram comercializando o mi­nério ilegalmente. Por outro lado, as empresas de minera­ção legalmente estabelecidas em Rondônia se depararam com um suprimento de cassiterita com custos bem meno­res do que os praticados em suas minas; assim, reduziram ainda mais suas atividades operacionais e passaram a de­pender cada vez mais da produção garimpeira para suprir as necessidades das empresas fundidoras coligadas. Os garimpeiros e comerciantes; por sua vez, formaram coo­perativas de garimpeiros que combatiam a legalidade dos alvarás de pesquisa da MS Mineração Ltda., da Portaria nº 226/88 e pregavam garimpo e comercialização livres. Para atingirem os seus objetivos, as cooperativas iniciaram dis­putas judiciais que fizeram com que diversas liminares ju­diciais abrissem e fechassem o garimpo.

 

A ilegalidade da comercialização e o contrabando de cas­siterita proveniente do garimpo de Bom Futuro floresce­ram em grandes proporções a partir dos últimos meses de 1988. Inclusive, foi denunciado o contrabando de 9.500t de estanho para a Bolívia, que correspondiam a 5% da demanda mundial de estanho. A Associação dos Países Produtores de Estanho — ATPC, que distribui quotas de exportação desse minério entre os países-membros, atri­buiu ao contrabando do garimpo de Bom Futuro a res­ponsabilidade pela queda das cotações do estanho no mercado mundial ( Folha de São Paulo, 17.07.1990).

 

Como forma de solução para os problemas do garimpo de Bom Futuro, foi criada, em junho de 1990, a Empresa Bra­sileira de Estanho S/A — EBESA, congregando os maiores grupos produtores de cassiterita de Rondônia, e é assina­do um protocolo de intenção entre as cooperativas de ga­rimpeiros e a EBESA para operacionalizar o garimpo em conjunto. Novas disputas judiciais se iniciam com o rom­pimento desse acordo, retardando o início das operações para o segundo semestre de 1992.

 

Atualmente, a EBESA, de posse dos direitos minerários transferidos da MS Mineração Ltda. (Portarias de Lavra). opera no garimpo com várias unidades de produção e co­mercializa parte da produção garimpeira. Os garimpeiros continuam no local e comercializam seu minério tanto para a EBESA como para as cooperativas ou, ainda, dire­tamente para terceiros.

 

SITUAÇÃO ATUAL

 

As áreas das empresas de mineração constantemente são invadidas por garimpeiros e muito pouco é feito pelos ór­gãos competentes para manter a titularidade dos direitos minerários em Rondônia e incentivar a atividade mineral de forma empresarial.

 

Dos antigos setores de mineração, somente os seguintes têm produção industrial: Santa Bárbara, operado pela Ces­bra: Massangana, operado pela Paranapanema: Cachoeiri­nha, operado pela Brumadinho: e Rio Branco, operado pela Best. Todos com suas atividades extremamente redu­zidas, com capacidade de produção total na ordem de 330.000 m3/mês, que resulta em torno de 232.000kg de Sn contido em concentrados. Os demais setores de minera­ção estão invadidos por garimpeiros, onde há urna peque­na produção. Uma exceção é São Lourenço e Macisa, onde, após invasão garimpeira, a titular das concessões de lavra iniciou um projeto de lavra em conjunto com a cooperativa garimpeira.

 

A EBESA opera com uma produção própria na ordem de 130.000m3/mês, que resulta em torno de 100.000 kg de Sn contido em concentrados. Os garimpeiros produzem aproximadamente 600.000kg de Sn contido em concentra­dos em pouco mais de 60 frentes de serviços distribuídas em Bom Futuro. A EBESA estima que do descobrimento da jazida de Bom Futuro foram produzidas de 80.000 a 100.000t de estanho contido em concentrados, ao passo que nos antigos setores de mineração, ao longo de mais de 20 anos, a produção individual não passou de 15.000t de estanho contido em concentrados, sendo o total de to­dos os antigos setores de mineração inferior a 115.000t de estanho contido, o que destaca a grandeza da jazida de Bom Futuro e a necessidade de urna exploração racional da jazida (Tabela 2)

 

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FONTE: A TERRA EM REVISTA,Nº 01, MARÇO,1996.